domingo, 13 de dezembro de 2009

Cheiro de flor

Não sabia ver as horas
no relógio de ponteiros
sentada no muro
comia acerolas
e lambia
os segundos nos dedos
No lanche, polenta frita
e café com leite
pra beber de guti-guti
Fim de tarde, o deleite:
deitava os cabelos na grama
despetalando as flores em delírio
exigia o bem-me-quer:
Quem é que me ama?

Lembrança boa embala, balança
A casa da vó Alice
tem cheiro de flor de infância

sábado, 12 de dezembro de 2009

Aconchego

despe o pensamento
e despede-se do
tempo

de olhos fechados
se aquece
e adormece
ao som dos pingos
no telhado:
acalanto de chuva
encanto para dia nublado

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Lá vai a lágrima
lambendo a pele
lavando pêlos
virando pérola
levando longe
a minha
dor

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

sábado, 31 de outubro de 2009

O desastre de Sofia

O sol fia o dia
E Sofia fia o seu tempo:
Pedaços de linha ao vento

Sorrisos desencontrados
E no silêncio da tarde
um coração rasgado

Ardia o sol ao meio dia
Ardia o peito de Sofia

Ela não sabia
o perigo que corria
E foi ver seu coração
afogar-se na água fria

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Como presente um olhar

Estava chegando o natal e eu, como toda criança, ansiava desesperadamente por presentes. Na casa vizinha a família costumava preparar um "natal para os carentes", em que doavam brinquedos às crianças. Nunca fui carente de brinquedos - sempre tive muitos -, mas como criança nunca perde uma oportunidade. Lá estava eu, na fila que se fez comprida na rua de minha casa. O suor a escorrer pelo rosto, a roupa amassada de tanto brincar. Não. Não havia nada que me distinguisse das outras. Tínhamos o mesmo sorriso ansioso de quem espera: Bola, boneca, um jogo de damas... Não importava o que. O importante era ter?
Enquanto a fila encurtava, ia crescendo no coração, dos meninos e meninas, uma esperança de alegria. Eu via passar o menino com seu carrinho de brinquedo: Olhar estrelado a reluzir em silêncio. Via a menina com a boneca nos braços a ensaiar maternidade: Doce sorriso a colorir o mundo. O presente a pulsar dentro do peito como vida soprada pra dentro.
Enfim chegara a minha vez. A moça olhou-me sorridente e disse: "Pra você eu tenho uma boneca". Estendeu-me o pequeno pacote. Senti a gota de suor escorrer para os lábios. O gosto salgado de vida. E o olhar da moça sobre mim... Carícia silenciosa dos olhos que vêem o outro.
Naquele momento eu não era mais uma criança com um presente: era um ser humano que nascia de um olhar de afago. O importante era ser... Ser visto.

sábado, 10 de outubro de 2009

Café amargo

Por trás da pele enrugada o que haveria? Um beijo guardado, um abraço que não deu, uma dor sufocada por tudo que perdeu, uma alegria? A pele enrugada guardara segredos? Quanta caricia de amor recebera aquela pele que um dia já havia sido macia e jovem? Talvez guardasse a infância em pérola, ou uma dor em espinho de flor.  Talvez.
No apartamento, bem arrumado e limpo, ela esperava o tempo pingar sua última gota. Vivia só. Era melhor assim? A filha - que a muito não vinha - viria visitá-la. Então, tomou banho e foi à padaria comprar pão: "Luciana vai querer café quando chegar". Os passos eram lentos e cansados: "Ah, a vida é sempre boa apesar de tudo". Em silêncio apreciava o caminho - O mesmo caminho de sempre. Mas tão mais bonito agora. A grama mais verde e os pingos de chuva que começavam a cair. Sentiu vontade de provar. E como naqueles atos impulsivos que temos: Abriu a mão em concha, pequena pocinha formou-se na palma. Lambeu com sede: "Luciana adorava tomar banho de chuva quando pequena". Subiu as escadas: "Luciana gosta de pão bem fresquinho..." Ao preparar o café lembrou de como era bom quando os filhos eram pequenos e tinham fome. E ela preparava bolos e tortas com amor. De como era bom olhar a casa cheia, os risos infantis a preencher o vazio, o marido a passar manteiga no pão enquanto via o noticiário. De como era bom aninhar um filho no colo. De como tudo era bom antes.
Há muitos anos o marido morrera, os filhos cresceram e partiram para seus pedacinhos de vida em outras cidades. Só restara Luciana, a vir vez ou outra. Porém, na maior parte do tempo ficava só. Gostava da casa em ordem, de assistir à TV molhando o biscoito no café com leite, de olhar pela janela...
Mas naquele momento - enquanto procurava o pote de açúcar para adoçar o café e Luciana subia as escadas - Naquele momento toda a vida encoberta pelo tecido enrugado diluiu-se na última gota de tempo, derramando por sobre o piso frio a casca que um dia abrigara amor, ódio, tristezas, alegrias...
Abriu a porta, a filha que já não mais esperada. Por trás da pele enrugada, apenas ossos agora. Para Luciana, o pão fresco e o café amargo.


*Publicado no Portal Cronópios 
Dia 10/10/2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pelo voo livre dos passarinhos

Quando criança costumava passar alguns domingos na casa da minha avó. Lá o  dia escorria vagarosamente como a estender-se por bem mais que um. Naquela época eu era uma exploradora de quintais: Percorria os espaços como a não deixar um só cantinho a ser observado. Havia sempre muito o que fazer num quintal de vó. Ainda mais que a minha visão era  para muito além das coisas. Uma árvore, por exemplo, poderia ser só uma árvore para um olhar comum e desabrigado de imaginação. Mas, para mim não. Era casa, picadeiro de circo, esconderijo secreto, ou mesmo um bom lugar para descansar...O meu pensamento era livre, como pássaro solto, para além do horizonte. E quando se consegue transpor os muros do real e criar outros mundos para visitar, a vida fica bem mais leve. Assim eu era: Livre, leve e solta. Mas o fato é que, naquele quintal em que eu tanto gostava de brincar, meu irmão criava passarinhos em gaiolas - prática da qual eu detestava. Nunca gostei de passarinhos aprisionados em gaiolas. Não achava justo: Eu  com toda a minha liberdade de criança e eles ali, com seu canto triste saudoso de céu.
No entanto, meu pai sempre dizia que eles jamais sobreviveriam longe das grades: "Bicho criado em cativeiro desaprende a ser livre", dizia ele. É...Talvez tivesse razão. Mas eu não deixava de pensar que sempre poderia haver uma possibilidade de reaprender. Porque no fundo eu sabia que o ser dos pássaros era voando. E o meu irmão não compreendia que ali, dentro daquelas gaiolas, ele não tinha mais os pássaros que tanto admirava  em voo livre: Sem poder voar deixaram de ser, passaram a só existir - Algo bem mais triste do que a morte.
Porém, num belo dia de domingo, logo após o almoço, as gaiolas foram encontradas vazias. Não. Não havia sido eu a soltá-los - Mesmo que ninguém tenha acreditado -. Como escaparam? Não sei. Mas naquele dia eu os admirei mais do que a todos. Pois vencer as grades e lutar pelo voo há de ser sempre árdua tarefa, e o único meio para existir plenamente, ou seremos apenas um canto triste por trás de grades invisíveis.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Remédio

Para estancar o sangue
que meu coração
derrama
só se você
encostar o seu peito
no meu.

sábado, 5 de setembro de 2009

O céu de Sofia




Naquele fim de tarde, enquanto o tempo tingia o céu de cor-de-rosa alaranjado, Sofia fiava silêncios no vento. Deitada nos finos lençóis de areia descortinava os desenhos das nuvens: dragões, dinossauros, coelhos, duendes, casinhas de algodão. Tecendo brinquedos perdeu-se nas linhas do tempo, escorregando para o escuro da noite. O céu desanuviado era triste, não havia mais com que brincar, de modo que, abotoou o coração e já ia partindo como quem nada mais espera. Para o alto, um último olhar saudoso de nuvens. Espantou-se. No meio de tanta escuridão um pontinho de luz sorria cintilante para ela. Ah! Surpresas da vida... Uma teia encantada caiu por sobre a menina que não via mais o escuro. Mas, somente, o luzir encantado da estrela pingente.
Nem esmeraldas, nem rubis, safiras ou diamantes. Desejava apenas a estrela brilhante. Mas a distância era tanta... Para chegar até lá teria que se fazer leve. Então, como um balão que para elevar-se precisa abandonar os sacos de areia: abandonou tudo o que achava que a prendia ao chão: verdades que pensava serem únicas, sonhos empoeirados, conceitos pré-formados, amores... Mas não teve jeito. Parecia pesar ainda mais. E o desejo crescia comprimindo seu coração.
De olhar aguado, Sofia desfiava os silêncios em gemidos tristes. Não havia jeito de cruzar o céu, pois o seu coração pesava desejoso: grávido de dores de ausência. Foi assim que veio a descobrir que o vazio não era leve como pensava.
O dia amanheceu e a estrela partiu. Embora toda  noite voltasse para amenizar a escuridão. E toda noite a menina perdia-se em luminosidades longínquas. Porém, houve um tempo em que não mais se satisfazia com o cintilar distante. Foi quando fechou os olhos - cansada de impossibilidades - E viu no avesso de si um céu de estrelas tantas. Resplandeceu em sorrisos. Voltou a brincar com nuvens, descortinando desenhos novos.

sábado, 29 de agosto de 2009

O inefável


Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Gilberto Gil



Há algum tempo atrás, eu me espantava com as pessoas que oravam em línguas na igreja. Achava aquilo tão sem fundamento. - Não pertenço a nenhuma religião. Mas como tenho amigos cristãos... - Pensava o porquê daquilo, se não fazia sentido, eram sons que não produziam significado algum. No entanto, observando um pouco mais a minha vida e meus sentimentos, pensei em quantas vezes aquilo que eu nunca consegui dizer era o que mais importava. Os meus sentimentos mais intensos eu nunca consegui organizar em palavras. Eles vertiam em choro, em riso, em olhares e gestos. Mas não em palavras. Nossas emoções não cabem nelas por inteiro, se derramam para muito além. Por mais que a gente tente dizer o que sente, vai sempre faltar. A palavra amor, por exemplo, não dá conta de todos os suspiros do meu coração. E a palavra dor às vezes é pequena demais pra tantos "ais" que a vida me dá.
Sim. Eu penso que as intensidades do coração são inefáveis. Mas é certo que é preciso achar maneira de desaguar as emoções senão a vida torna-se pesada por demais. Uma das formas mais naturais é o choro: "Nascemos e choramos. A nossa língua materna não é a palavra. O choro é o nosso primeiro idioma." (Mia Couto) É a nossa expressão mais natural. Choramos de tristeza, de alegria, de dor... Quando uma emoção é forte demais e não podemos suportar: Choramos. E como milagre, puro e divino, nos sentimos leves novamente.
Portanto, hoje, quando vejo pessoas orando em línguas - entoando aqueles sons que não me dizem nada -, eu já não me espanto mais. Compreendo. Porque a oração é um choro: quando me desnudo de razões e volto a ser natural como um bebê. Pois somos o que as palavras não dão conta. E o que eu mais preciso é o que eu não sei dizer.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

...

E a ventania aproxima as flores ...
Peles-pétalas que se tocam sem pudor
Carícias de silêncio sussurradas em sopros- amores.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tempo de primavera

Era moça. E seu estar no mundo não era mais do que uma soma de incompreensões. Assim como a natureza, de certa maneira, sabe da primavera: seu saber era inconsciente. Sentia ausências que doíam-lhe na alma como a fome no estômago. Mas que no fundo não passavam de estrada não percorrida e sonhos ainda por sonhar. A vida comprimia-lhe o coração como flor não desabrochada. Coração-botão fechado em defesa de si mesmo. Pedia o seu andar, a estrada. E recebia, o seu pisar assustado com pudor de toque de chão. Mas como a terra sempre atrai fruto maduro, seus pés desavergonharam-se e o caminhar fez-se em gozo. Peito aberto em flor. Gotas de orvalho-amor. Desabrochou.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Porque estender a mão não basta

Em frente ao espelho olhava para a outra. Tentando reconhecer-se percorreu seu olhar por cada pedacinho do corpo dela. Queria encontrar-se, mais do que isso,  queria tocá-la. Mas na tentativa sua mão encontrou apenas a superfície fria do espelho. Se estender a mão não era o melhor jeito de tocá-la então qual seria?

Uma camada invisível aos olhos, porém, perceptível ao tato às separava. Se conseguisse quebrá-la não haveria empecilho - pensou. E foi com a ferocidade do desejo que seu punho fechou-se contra a parede espelhada, despedaçando a outra e ferindo a si mesma. Não. Não é com violência que se chega ao outro. Gotas de sangue no chão. A impetuosidade é uma bomba dentro de nós. Gotas de sangue no chão. Tocou levemente a ferida em sua mão. Gotas de sangue...E pode ver logo ali a sua frente:  uma expressão de dor. Era a outra, um caco de outra a fitar-lhe. Tocou com mais força na ferida. A expressão de dor intensificou-se. Sim, havia finalmente conseguido.