quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

gosto tanto desse teu sorriso
espontâneo em que me abrigo
quando tudo mais
é um cansaço antigo

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A viagem

Era meio sonâmbula que andava. A mente semi-adormecida guiava um corpo magro sem amor. O caminho era o mesmo de todas as manhãs, em que os pés sabiam de cor o chão a ser percorrido. Na boca, uma secura de quem poucos goles d'água bebia. Também comia pouco, porque temia o excesso.
Então, naquela manhã seguia o caminho de sempre. Parara para pegar a condução que a deixaria no trabalho em hora e meia. O ônibus cheio e ela que nem gostava de gente. Gostava mesmo era de animais. E pensava em pipoca, sua cadelinha. Para se livrar do incômodo de estar entre as gentes, pensava em pipoca. Pensava na volta pra casa, quando abriria o portão e reencontraria sua única amiga, que, com pulinhos e o rabinho abanando, viria lhe receber: alegria incompreensível de bicho.
No ônibus, um banco vazio: "Que bom", pensou. Assim não ficaria espremida entre os outros, pois, não gostava que a tocassem. Tinha nojo de gente.
O único homem que a tocou fora seu pai, alguns dias depois da mãe morrer. Tinha o hálito forte de álcool. Chegou, bateu a porta, disse: "guria vem cá!" E o susto. A mão pesada puxou-lhe os cabelos com força. Depois, o corpo pequeno e nu e a falta que a mãe fazia. Quando ele morreu teve um princípio de felicidade. Um princípio. Talvez um alívio que ela achou fosse o começo para ser feliz. Não era.
Recostou-se no banco deixando a mente embalar-se com a viagem. O que seria viver? Um sono?
A dormência do corpo era fraqueza, e o vazio interior era grito mudo. Era fome. Era falta. Era o peso de suportar uma vida sem outros. E ela suportava. No rosto, a expressão dura de que diz: "Sou forte, sou forte". Por quanto tempo se suporta o próprio peso? A vida lhe doía os ossos, e a alma contida lhe causava um leve tremor nas mãos.
Na parada, o enjoo: pessoas. Pessoas e mais pessoas entravam na condução. A moça ao seu lado, gentil, levantou-se para dar lugar a outra que tinha um bebê no colo. Era gorda, a mulher com o bebê no colo. Gorda com um bebê gordinho e o olhar de quem muito deseja. A pele mole e gosmenta encostou-se na sua. Pensou fosse enjoar e de repente, o corpo e o coração quentes. Acalmou-se. 
O sacolejo do ônibus fazia o braço da mulher esfregar-se no seu. A vida roçando... O menino que de tanto tempo em pé tremia as perninhas: “Mãe, num guento, vô sentá!” Sentou-se no chão. A cabeça do menino, hesitante entre lado e outro, foi pender sobre sua perna. O que a vida queria dela? O bebê ao lado, sorrindo, cavou o ar com a mãozinha, pingou os dedinhos nos cabelos dela. E como chuva desmoronando as estruturas, desfez-se em riso o regelado rosto. A vida esfregava-se nela e por dentro a alma vagalumeava atordoada. 
Chegava ao fim a viagem. Mas a terra que pisava era desconhecida. E ao trabalho nem foi. Pegou caminho novo, foi para o parque.
Crianças brincando, pessoas caminhando... Sentou-se na grama. Seu olhar foi pousar na mãe que amamentava o bebê. Um aconchego de sol. O conforto delicado de um colo quente de mulher. 
O que ela queria da vida?
Naquela manhã aninhava os sentimentos que nasciam assustados. Foi quando, inesperadamente, veio a chuva. As pessoas correram fugidas do tempo que desabava. Ela também correu, mas não para fugir. 





quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Cartas a um jovem poeta [ excerto]

"O senhor me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim. Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para revistas. Faz comparações entre eles e outros poemas e se inquieta quando um ou outro redator recusa suas tentativas de publicação. Agora ( como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso."

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre: L&PM, 2011.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012


rever quem se ama
é como depois de muito
andar por aí,
voltar pra casa,
voltar pra si.


02-01-2012