sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sorvete de caju


 Para o Jojô, que nunca tomou sorvete.


Ele era jovem e não comia doces. Balas, chicletes, cocadinhas, sorvetes: nunca havia experimentado. Nunca havia tomado sorvete. Nunca havia tomado sorvete ( repito para me certificar de algo tão incrédulo). Aos dezenove anos ainda não tinha tomado sorvete. Os amigos convidavam, ofereciam. Mas ele respondia sempre com o mesmo ar de superioridade: "Não tomo sorvete". Querendo talvez preservar a sua saúde, resistia bravamente. Mas eis que o tempo foi passando, e o menino envelheceu, claro. Velho, sim, mas com saúde, pois que ele se cuidava. Muito.

Foi quando, já beirando os oitenta, ele voltava de sua caminhada matinal – era domingo e fazia muito calor –, viu passar dois garotinhos, cada um com um sorvete de casquinha na mão. Fazia muito calor. Ele tava com muita sede. A sorveteria logo ali... e era domingo. Ah, que mal um sorvetinho podia fazer naquela altura da vida?

Antes de entrar na sorveteria olhou para os dois lados para se certificar de que nenhum conhecido estava por perto. Chegou até o balcão e, nervoso como um ladrão principiante, pediu:
"Me dá aí um sorvete."
"Qual sabor, senhor?"
"Hum... de... de... daquele ali. O marronzinho."
"Chocolate?"
"É. Esse aí mesmo."

Ele mal conseguia segurar a pazinha de tanto que tremia. Ao primeiro contato do sorvete com a língua, se arrepiou inteiro e... e eu não posso descrever tudo o que ele sentiu, pois seria considerado impróprio. Depois, depois ele pediu aquele, aquele rosinha ( "morango?"). Em seguida, o de creme, depois baunilha, passas ao rum, flocos... Já estava no 99° sabor quando a vizinhança foi avisar a Dona Adélia: " Dona Adélia, dona Adélia, seu Pedro tá lá enchendo a cara de sorvete! Corre lá, corre lá!"

Mas a pobre da Dona Adélia não conseguiu chegar a tempo. Pois ao colocar na boca a última pazinha do 101° sabor de sorvete, morreu. Por excesso de prazer. E ainda sem experimentar o de framboesa, o de menta com calda de chocolate, o de cupuaçu, o de milho verde, o de manga, o de chiclete. E o de caju que era a fruta que ele mais gostava.




segunda-feira, 10 de outubro de 2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

a cabeça
       um tumulto
de palavras
                                desconexas
à espera daquela
que se                         encaixe
como um beijo

segunda-feira, 18 de abril de 2011

sem querer

que às vezes você fere
sem querer ferir

e sem saber
destrói
o que há de ti
em mim

ai de ti, meu bem
que em meu peito morrerá
no fim
sem querer

terça-feira, 29 de março de 2011

" Muita coisa importante falta nome."



Rio de-Janeiro, Minas - curta-metragem de Marly da Cunha Bezerra, baseado em  uma passagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

menino de bicicleta

vai no vento o riso alado do menino
e o menino vai veloz de riso ao vento
vai de sol como assim fosse todo tempo
e o tempo sendo eterno pedalar

sábado, 8 de janeiro de 2011

saber que não há regresso
que todo passo
é despedida

e em todo caminho haverá deserto:
incerto chão
que o desejo pisa

que há algo
entre o corpo e o ar
(voz emudecida)

desespero

não chegar