terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pelo voo livre dos passarinhos

Quando criança costumava passar alguns domingos na casa da minha avó. Lá o  dia escorria vagarosamente como a estender-se por bem mais que um. Naquela época eu era uma exploradora de quintais: Percorria os espaços como a não deixar um só cantinho a ser observado. Havia sempre muito o que fazer num quintal de vó. Ainda mais que a minha visão era  para muito além das coisas. Uma árvore, por exemplo, poderia ser só uma árvore para um olhar comum e desabrigado de imaginação. Mas, para mim não. Era casa, picadeiro de circo, esconderijo secreto, ou mesmo um bom lugar para descansar...O meu pensamento era livre, como pássaro solto, para além do horizonte. E quando se consegue transpor os muros do real e criar outros mundos para visitar, a vida fica bem mais leve. Assim eu era: Livre, leve e solta. Mas o fato é que, naquele quintal em que eu tanto gostava de brincar, meu irmão criava passarinhos em gaiolas - prática da qual eu detestava. Nunca gostei de passarinhos aprisionados em gaiolas. Não achava justo: Eu  com toda a minha liberdade de criança e eles ali, com seu canto triste saudoso de céu.
No entanto, meu pai sempre dizia que eles jamais sobreviveriam longe das grades: "Bicho criado em cativeiro desaprende a ser livre", dizia ele. É...Talvez tivesse razão. Mas eu não deixava de pensar que sempre poderia haver uma possibilidade de reaprender. Porque no fundo eu sabia que o ser dos pássaros era voando. E o meu irmão não compreendia que ali, dentro daquelas gaiolas, ele não tinha mais os pássaros que tanto admirava  em voo livre: Sem poder voar deixaram de ser, passaram a só existir - Algo bem mais triste do que a morte.
Porém, num belo dia de domingo, logo após o almoço, as gaiolas foram encontradas vazias. Não. Não havia sido eu a soltá-los - Mesmo que ninguém tenha acreditado -. Como escaparam? Não sei. Mas naquele dia eu os admirei mais do que a todos. Pois vencer as grades e lutar pelo voo há de ser sempre árdua tarefa, e o único meio para existir plenamente, ou seremos apenas um canto triste por trás de grades invisíveis.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Remédio

Para estancar o sangue
que meu coração
derrama
só se você
encostar o seu peito
no meu.

sábado, 5 de setembro de 2009

O céu de Sofia




Naquele fim de tarde, enquanto o tempo tingia o céu de cor-de-rosa alaranjado, Sofia fiava silêncios no vento. Deitada nos finos lençóis de areia descortinava os desenhos das nuvens: dragões, dinossauros, coelhos, duendes, casinhas de algodão. Tecendo brinquedos perdeu-se nas linhas do tempo, escorregando para o escuro da noite. O céu desanuviado era triste, não havia mais com que brincar, de modo que, abotoou o coração e já ia partindo como quem nada mais espera. Para o alto, um último olhar saudoso de nuvens. Espantou-se. No meio de tanta escuridão um pontinho de luz sorria cintilante para ela. Ah! Surpresas da vida... Uma teia encantada caiu por sobre a menina que não via mais o escuro. Mas, somente, o luzir encantado da estrela pingente.
Nem esmeraldas, nem rubis, safiras ou diamantes. Desejava apenas a estrela brilhante. Mas a distância era tanta... Para chegar até lá teria que se fazer leve. Então, como um balão que para elevar-se precisa abandonar os sacos de areia: abandonou tudo o que achava que a prendia ao chão: verdades que pensava serem únicas, sonhos empoeirados, conceitos pré-formados, amores... Mas não teve jeito. Parecia pesar ainda mais. E o desejo crescia comprimindo seu coração.
De olhar aguado, Sofia desfiava os silêncios em gemidos tristes. Não havia jeito de cruzar o céu, pois o seu coração pesava desejoso: grávido de dores de ausência. Foi assim que veio a descobrir que o vazio não era leve como pensava.
O dia amanheceu e a estrela partiu. Embora toda  noite voltasse para amenizar a escuridão. E toda noite a menina perdia-se em luminosidades longínquas. Porém, houve um tempo em que não mais se satisfazia com o cintilar distante. Foi quando fechou os olhos - cansada de impossibilidades - E viu no avesso de si um céu de estrelas tantas. Resplandeceu em sorrisos. Voltou a brincar com nuvens, descortinando desenhos novos.