sábado, 29 de agosto de 2009

O inefável


Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Gilberto Gil



Há algum tempo atrás, eu me espantava com as pessoas que oravam em línguas na igreja. Achava aquilo tão sem fundamento. - Não pertenço a nenhuma religião. Mas como tenho amigos cristãos... - Pensava o porquê daquilo, se não fazia sentido, eram sons que não produziam significado algum. No entanto, observando um pouco mais a minha vida e meus sentimentos, pensei em quantas vezes aquilo que eu nunca consegui dizer era o que mais importava. Os meus sentimentos mais intensos eu nunca consegui organizar em palavras. Eles vertiam em choro, em riso, em olhares e gestos. Mas não em palavras. Nossas emoções não cabem nelas por inteiro, se derramam para muito além. Por mais que a gente tente dizer o que sente, vai sempre faltar. A palavra amor, por exemplo, não dá conta de todos os suspiros do meu coração. E a palavra dor às vezes é pequena demais pra tantos "ais" que a vida me dá.
Sim. Eu penso que as intensidades do coração são inefáveis. Mas é certo que é preciso achar maneira de desaguar as emoções senão a vida torna-se pesada por demais. Uma das formas mais naturais é o choro: "Nascemos e choramos. A nossa língua materna não é a palavra. O choro é o nosso primeiro idioma." (Mia Couto) É a nossa expressão mais natural. Choramos de tristeza, de alegria, de dor... Quando uma emoção é forte demais e não podemos suportar: Choramos. E como milagre, puro e divino, nos sentimos leves novamente.
Portanto, hoje, quando vejo pessoas orando em línguas - entoando aqueles sons que não me dizem nada -, eu já não me espanto mais. Compreendo. Porque a oração é um choro: quando me desnudo de razões e volto a ser natural como um bebê. Pois somos o que as palavras não dão conta. E o que eu mais preciso é o que eu não sei dizer.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

...

E a ventania aproxima as flores ...
Peles-pétalas que se tocam sem pudor
Carícias de silêncio sussurradas em sopros- amores.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Tempo de primavera

Era moça. E seu estar no mundo não era mais do que uma soma de incompreensões. Assim como a natureza, de certa maneira, sabe da primavera: seu saber era inconsciente. Sentia ausências que doíam-lhe na alma como a fome no estômago. Mas que no fundo não passavam de estrada não percorrida e sonhos ainda por sonhar. A vida comprimia-lhe o coração como flor não desabrochada. Coração-botão fechado em defesa de si mesmo. Pedia o seu andar, a estrada. E recebia, o seu pisar assustado com pudor de toque de chão. Mas como a terra sempre atrai fruto maduro, seus pés desavergonharam-se e o caminhar fez-se em gozo. Peito aberto em flor. Gotas de orvalho-amor. Desabrochou.