Já fazia três semanas que ninguém
dormia naquela casa. E se não bastasse isso, também durante o dia era
impossível que alguém conseguisse descansar, ou até mesmo se concentrar em
alguma coisa.
A família, que se reunia alegremente
aos domingos para assistir a dança dos famosos e discutir sobre qual havia sido
a melhor performance, agora sentava em frente à TV desligada, os olhos
vermelhos e vazios – como uma família de zumbis.
Até Elizete, a empregada, mesmo
dormindo bem todas as noites, já não trabalhava como antes. Era só entrar na
casa, e passados quinze minutos, já começava a ficar confusa. Guardava a comida
na máquina de lavar, as roupas na geladeira, e numa manhã de sábado, por pouco
não assou o gato ao invés do frango. E tudo isso por que o grande problema
daquela casa não era o sono. Mas o choro.
Fazia exatamente três semanas que
Miguel, o filho mais novo, não parava de chorar. Chorava de manhã à noite sem
que ninguém soubesse o motivo que o afligia e conseguisse fazê-lo parar. E o
que espantava não era só a persistência desse choro sem sentido, mas a
quantidade de lágrimas que o menino produzia. Era possível torcer suas roupas e
encher um balde no meio da tarde.
Na primeira noite em que Miguel
entrou chorando no quarto dos pais, ninguém deu muita importância. “Foi só um
pesadelo, filho. Vem dormir”, disse a mãe. Mas quando o dia amanheceu, com o
menino ainda berrando, o pai achou melhor levá-lo ao médico.
Quando o Dr. Perguntou se lhe doía
alguma coisa, a única resposta que conseguiu obter foram berros e soluços.
Então após alguns exames concluiu-se que o menino não tinha nada.
Em casa, a avó resolveu que ia
chamar a benzedeira.
Nem rezas, nem benzimentos,
promessas, surras, ameaças, presentes, nada fez com que ele parasse de chorar.
Lucia, a irmã, bem que tentou enfiar uma meia na boca dele, mas foi censurada
pela mãe.
No 21° dia, uma manhã de céu azul
com passarinhos cantando, ninguém imaginaria o terror por qual aquela família
passava.
Imóveis em frente à TV, o pai, ainda
com a faca que havia cortado o pão no café da manhã, resolveu que ia dar um
jeito naquilo. Levantou, e a passos decididos, com a faca em punho, seguiu em
direção ao quarto do filho. A mãe ainda conseguiu gritar “Mas ele é só uma
criança!”
Minutos depois o pai atravessou os
olhares interrogativos, com o filho ainda chorando, no colo, e seguiu em
direção ao quintal.
Quando voltou, trazia apenas um
sorriso de louco no rosto e disse “Deixem lá até que não reste mais nenhuma
lágrima!”.
Lá fora fazia um sol de rachar. E
quando todos saíram pro quintal, à procura do Miguel, lá o encontraram. Com os
olhos esbugalhados de espanto e indignação, pendurado no varal.