sexta-feira, 25 de abril de 2014

De nevoeiro em nevoeiro


Éramos como irmãos gêmeos. Não por que fossemos fisicamente parecidos, mas por que andávamos sempre juntos. Também por que nossos nomes possuem a mesma inicial (o que é muito comum em irmãos gêmeos): o meu, Victor; o dele, Vicente.

É claro que não nos víamos dessa maneira. Eram nossos amigos que nos definiam assim, como gêmeos. Era alguém da turma nos ver chegando que logo apontava dizendo, "lá vêm os gêmeos, Victor e Vicente". E quando acontecia de um aparecer sem a companhia do outro, nos olhavam com estranheza como se nos faltasse uma parte do corpo.

Pegávamos o mesmo ônibus para ir à escola. Todos os dias. E quase sempre era em silêncio que ficávamos. Um ao lado do outro, cada um com sua música nos fones de ouvido. Às vezes, quando uma menina bonita entrava no ônibus, nos olhávamos e sorriamos, pensando a mesma coisa. Quando eu não tinha dinheiro pro lanche, ele me emprestava. Quando eu tinha e ele não, eu emprestava. E quando tínhamos muito pouco dinheiro fazíamos uma vaquinha e comprávamos um salgadão, pra dividir. Éramos assim.

Mas agora Vicente arranjou uma namorada, e o tempo que passava comigo, agora ele passa com ela. Dividem os fones de ouvido e eu não sei o que eles pensam quando se olham e sorriem um para o outro.
É estranho. No fundo a gente sempre acaba achando que as coisas vão continuar sendo o que são, que as pessoas vão ser sempre as mesmas, até que tudo toma um outro rumo e você se dá conta de que é sempre só você, de nevoeiro em nevoeiro.   

Agora ninguém mais estranha quando me vê chegando sem a companhia de Vicente. E eu sinto, estranhamente, que caminho sem os pés.  

quinta-feira, 24 de abril de 2014

variações do canto


há muitas maneiras de cantar sem usar a voz :

arrastar-se pelo chão
caminhar de mão dadas
pedalar de madrugada na rua vazia
olhar o que se ama
estar com quem se gosta
ouvir o canto é também cantar

há um canto inaudível saindo pelos poros
soando debaixo da pele
o corpo quando alegre, vibra
e canta