quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Menino ao vento


            Já fazia três semanas que ninguém dormia naquela casa. E se não bastasse isso, também durante o dia era impossível que alguém conseguisse descansar, ou até mesmo se concentrar em alguma coisa.
            A família, que se reunia alegremente aos domingos para assistir a dança dos famosos e discutir sobre qual havia sido a melhor performance, agora sentava em frente à TV desligada, os olhos vermelhos e vazios – como uma família de zumbis.
            Até Elizete, a empregada, mesmo dormindo bem todas as noites, já não trabalhava como antes. Era só entrar na casa, e passados quinze minutos, já começava a ficar confusa. Guardava a comida na máquina de lavar, as roupas na geladeira, e numa manhã de sábado, por pouco não assou o gato ao invés do frango. E tudo isso por que o grande problema daquela casa não era o sono. Mas o choro.
            Fazia exatamente três semanas que Miguel, o filho mais novo, não parava de chorar. Chorava de manhã à noite sem que ninguém soubesse o motivo que o afligia e conseguisse fazê-lo parar. E o que espantava não era só a persistência desse choro sem sentido, mas a quantidade de lágrimas que o menino produzia. Era possível torcer suas roupas e encher um balde no meio da tarde.
            Na primeira noite em que Miguel entrou chorando no quarto dos pais, ninguém deu muita importância. “Foi só um pesadelo, filho. Vem dormir”, disse a mãe. Mas quando o dia amanheceu, com o menino ainda berrando, o pai achou melhor levá-lo ao médico.
            Quando o Dr. Perguntou se lhe doía alguma coisa, a única resposta que conseguiu obter foram berros e soluços. Então após alguns exames concluiu-se que o menino não tinha nada.
            Em casa, a avó resolveu que ia chamar a benzedeira.
            Nem rezas, nem benzimentos, promessas, surras, ameaças, presentes, nada fez com que ele parasse de chorar. Lucia, a irmã, bem que tentou enfiar uma meia na boca dele, mas foi censurada pela mãe.
            No 21° dia, uma manhã de céu azul com passarinhos cantando, ninguém imaginaria o terror por qual aquela família passava.
            Imóveis em frente à TV, o pai, ainda com a faca que havia cortado o pão no café da manhã, resolveu que ia dar um jeito naquilo. Levantou, e a passos decididos, com a faca em punho, seguiu em direção ao quarto do filho. A mãe ainda conseguiu gritar “Mas ele é só uma criança!”
            Minutos depois o pai atravessou os olhares interrogativos, com o filho ainda chorando, no colo, e seguiu em direção ao quintal.
            Quando voltou, trazia apenas um sorriso de louco no rosto e disse “Deixem lá até que não reste mais nenhuma lágrima!”.
            Lá fora fazia um sol de rachar. E quando todos saíram pro quintal, à procura do Miguel, lá o encontraram. Com os olhos esbugalhados de espanto e indignação, pendurado no varal.